Os olhos cor da noite
De longe escutou o avô abrindo o cadeado do quarto no fundo do quintal. Desceu do alto da goiabeira mais rápido do que qualquer humano que caísse em queda livre. Um minuto depois já estava no cós do avô com duas goiabas – da branca que eram mais molinhas, mas sempre tinham bicho – só uma para dar, claro. Ali dentro, pés, mãos e dedos do moleque ficavam paralisados e a voz emudecia. Só os olhos corriam. De um lado a outro, seus 437 olhos admiravam cada vagão e de cada trem e, naquela cidade miniatura, viajavam nas histórias do velho. Com as mãos e o queixo apoiados na quina da mesa, os olhos corriam no campo, nas ruas, na montanha, descendo o rio e atravessando a ponte sobre o lago ao som das máquinas, do apito do trem e das palavras entusiasmadas do avô, até o clímax, quando as luzes do quarto eram apagadas. A cidade resplandecia e os faróis corriam sobre os trilhos negros.
Não era sonho.
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