segunda-feira, abril 30, 2007

Conflito de Gerações

Quanto eu era moleque, diziam que eu não fazia nada da vida. Por isso eu tinha que lavar os carros da casa, dar banho nos cachorros, ajudar na loja, ir na padaria, tirar 10 em todas as matérias e não faltar as aulas de natação, inglês, vôlei e basquete.

Daí eu cresci um pouco mais e deixei de ser moleque, mas continuava não fazendo nada da vida. Por isso eu tinha que lavar os carros da casa, dar banho nos cachorros, ajudar na loja, ir na padaria, passar no vestibular e não faltar as aulas dos cursos preparatórios.

Envelheci um pouco mais e continuava não fazendo nada da vida. Por isso eu tinha que cuidar das contas da república (porque não tinha nenhuma pessoa com responsabilidade suficiente), lavar os carros da casa, manter-me no estágio, manter o CRE alto, e juntar dinheiro para a formatura.

Não custou muito e virei adulto, desempregado e concurseiro, praticamente um vagabundo que não fazia nada da vida. Por isso, tinha que fazer quase tudo que os outros ocupados da casa não tinham tempo para fazer (como por exemplo, ficar disponível o dia inteiro do último dia de entrega do IRPF), enquanto eu não passava em algum concurso. Com toda convicção, foi o período mais infeliz da minha vida.

Encurtando a história, finalmente eu fiquei velho o suficiente para aposentar-me, e, como aposentado, não fazia nada da vida. Por isso, tive que ser "taxista" de meus netos, babá, "office-voinho" (segundo minha netinha), entre outras coisinhas que meus filhos sempre foram atrapalhados demais para lidar com elas.

Agora, cá comigo, fico me perguntando: será que no céu eu vou fazer alguma coisa da vida?

terça-feira, abril 24, 2007

Sem tempo para pensar muito

Com uma assinatura o Limbo desapareceu. Todas as pessoas que viveram antes da Igreja Católica, todos os bebês não batizados, entre outros, pegaram sua senha para saberem qual será seu próximo destino eterno (ou até a próxima edição da reforma dogmática católica). Tinham lugar próprio e agora entraram numa fila de onde podem ou não ir para o céu conforme a vontade de Deus.

Dogmas e paradigmas são importantes, poupam-nos de pensar. Imagine se eu ficasse raciocinando a cada ato ou gesto? Nunca conseguiria desenvolver reflexos suficientes para dirigir; para escolher o que comer ou beber; ou para reprovar um alimento, dizendo que está estragado.

E por falar em comida, descobri ontem que "bebida" não é alimento. Alimenta, mas não é alimento. Soube isso de fonte segura: uma engenheira de alimentos com especialização em bebidas lácteas. E depois dizem que o Direito é algo complicado, essa senhora é a personificação do paradoxo.

Para alimentar o paradoxo do mundo, saciar o meu vício e mostrar que, de fato, a escolha é uma ilusão, não tive outra opção senão ir ao Manu Laches pedir um suco de açaí. O processo é muito simples: 1º chamo o atendende; 2º digo que quero um suco de açaí com banana e leite; 3º bebo; 4º chamo-o novamente; 5º pago. É simples se você não pensar em tudo o que você fez.

Na verdade eu realizo um contrato de compra e venda regulado pelo Código Civil e pelo Código de defesa do Consumidor. Essas duas leis regulam exclusivamente a obrigação, ou seja, o ato negocial. Existe ainda outros dois atos normativos que tratam exclusivamente do bem: uma lei que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, autoriza a criação da Comissão Intersetorial de Bebidas e dá outras providências e um decreto que regulamenta a Lei nº 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas.

Pois bem, aquilo que foi convencionado entre as partes como "suco de açaí com banana e leite", na verdade não é suco, segundo o regulamento:

Art . 40. Suco ou sumo é a bebida não fermentada, não concentrada e não diluída, destinada ao consumo, obtida da fruta madura e sã, ou parte do vegetal de origem, por processamento tecnológico adequado, submetida a tratamento que assegure a sua apresentação e conservação até o momento do consumo, onde:

I - o suco não poderá conter substâncias estranhas à fruta ou parte do vegetal de sua origem, excetuadas as previstas na legislação específica.
Como não existe legislação específica para o açaí, ficamos com o regulamento geral. Não é caso nem de suco tropical, que pode ser obtido com adição de água, a menos que eu tivesse pedido sem açaí e sem leite:
§ 6o Suco tropical é o produto obtido pela dissolução, em água potável, da polpa de fruta polposa de origem tropical, não fermentado, de cor, aroma e sabor característicos da fruta, através de processo tecnológico adequado, submetido a tratamento que assegure a sua apresentação e conservação até o momento de consumo.
O açaí, para quem não conhece, é um caroço envolvido com uma película comestível, se não tivesse a banana e o leite, seria um néctar.
Art . 43. Néctar é a bebida não fermentada, obtida da diluição em água potável da parte comestível do vegetal e açúcares ou de extrato vegetais e açucares, podendo ser adicionada de ácidos, e destinada ao consumo direto.
Se não tivesse leite, poderia ser refresco.
Art. 44. Refresco ou bebida de fruta ou de vegetal é a bebida não gaseificada, não fermentada, obtida pela diluição, em água potável, do suco de fruta, polpa ou extrato vegetal de sua origem, com ou sem açúcar.
Imagine que o regulamento trata dos refrescos de laranja, limão, maracujá, guaraná e maçã, informando a concentração mínima para garantir que aquilo é refresco, e o açaí? Nada.

Pois bem, se eu não estivesse com a lei em mãos, não saberia o que bebi:
Art . 57. Bebida composta de fruta, polpa ou de extratos vegetais é a bebida obtida pela mistura de sucos ou extratos vegetais com produto de origem animal, tendo predominância, em sua composição, de produtos de origem vegetal, adicionada ou não de açúcares.
Depois de tanto tempo, a palavra "acréscimos", no cardápio, foi finalmente corrigida, quanto tempo vão levar para corrigir a palavra "sucos"? Existe pouca probabilidade de acontecer, mas seria bem possível que, com uma assinatura da autoridade competente, o cardápio do Manu Lanches ficasse correto.

Pois bem, amanhã vou tomar uma tigela de açaí com banana, granola e amendoim. E não vou gastar nenhum pulso neural para descobrir o que vão me servir. Vou querer uma tigela dogmática grande.

domingo, abril 15, 2007

O Máximo

Hoje ele percebeu o que ela representava. Amava-a de um jeito estranho, mutante, impreciso. Se aquilo que sentia pela mulher não fosse "amor", quem importaria o outro nome daria?

Era admirável em inteligência e graça. Motivo para encher a boca e dizer aos mais próximos (e aos estranhos) seus sucessos. Gostava de criar expectativa nos outros em conhecê-la.

Libido, lascívia, talvez a própria loucura, transformavam-na em presa a ser devorada com unhas e dentes ou apreciada lentamente: o aroma particular, o gosto salgado, o corpo quente.

Em outros momentos, ignorava sua força. Via-a frágil. Não suportava vê-la fazendo esforço (mas sabia que quando não estava, ela fazia tudo). Mesmo a irritando, dizia era tarefa dele.

Num dia, ela adoeceu. Mimou-a de todo jeito. Dengos e cafunés. Tratava-a como a uma filha. Mandava tomar os remédios, sair do sereno, comer melhor, não pisar no chão frio... um saco.

Adorava seu colo. Passaria horas ali: sentindo o cheiro do hidratante nas pernas, as mãos macias alisando a cabeça... Foi numa hora dessas que ela disse algo, que só depois de muitos dias ele entendeu: "você é muito egoísta".

segunda-feira, abril 09, 2007

Indivíduo Legal

Há quase dois anos atrás, escrevi aqui sobre um assunto que o Paulo tangencia, o aborto. Mais precisamente envolvendo o feto anencéfalo. Eis que o tema volta à tona com a primeira audiência pública da história do Supremo na ADI que contesta Lei de Biossegurança.

Para fins de transplante de órgãos, pode-se dispor do cadáver no momento em que é constatada a morte cerebral, que é a perda definitiva e irreversível das funções do órgão. Nesse ponto, acredita-se que cessa a existência consciente do indivíduo. Perceba que, neste instante não está sendo questionado se o que "sobra" está ou não vivo, mas a matéria orgânica estará livre à disposição médica.

Partindo do pressuposto que se pode dispor do corpo humano para a doação dos órgãos com a morte encefálica, independente que "uma vida" comece ou termine em qualquer ponto, o mesmo critério deveria ser adotado para determinar o início da impossibilidade de dispor do corpo humano para a finalidade que seja.

Em outras palavras, se a utilização depende da existência ou não de atividade cerebral, isso não significa, necessariamente, o momento que o feto chuta, nada, ou faz gracinhas que provocam o riso ou tiram o sono das gestantes. A atividade pode iniciar anterior à formação de um pé ou uma mão que toque a parede do útero. Se foi possível apontar o fim da existência corpórea e o início da disposição do tabernáculo carnal, podemos e devemos usar o mesmo paradigma para demarcar o começo, a contrario sensu, por lógica, sem a necessidade se ater a uma questão tão filosófica quanto o "início de uma vida humana". E agora, fico me questionando, ante a flagrante ausência no rol dos 17 especialistas convocados pelo STF, por que nenhum filósofo pediu sua admissão como amicus curiae, independente de convite?

Do ponto de vista do Direito Penal. O nosso Código protege a vida intrauterina. Pouco importa se um indivíduo vivo está se desenvolvendo, por exemplo, numa das trompas. Assim, põe-se a salvo o direito de aniquilar uma ou mais vidas antes da nidação. Logo, não podemos sequer falar em abortamento e muito menos em assassinato. Pode existir morte provocada por terceiro sem ocorrer um ou outro. A morte é um fato da vida. Se o STF decidir que seu início precede ao 14º dia a partir da concepção, ainda assim, até o 13º dia poderá ser destruído o óvulo fecundado e, a qualquer tempo, interrompida a gestação tubária sem tipificar crime de aborto. Poderá, contudo, ser dilatado o prazo para a intervenção se for verificada que a vida – e, nesse caso, prefiro o termo "existência" – do indivíduo é posterior ao que o Direito Penal construiu em sua jurisprudência como bem a ser protegido porque, ao proteger a vida intrauterina, já não basta estar no útero, mas sim, estar vivo, dentro dele.

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quarta-feira, abril 04, 2007

Interesse Coletivo

faz parte do Google Labs – o playground tecnológico do Google – é um analisador de buscas, um "Top Of Mind" da internet. Desde que o Google se transformou na ferramenta de busca hegemônica dá para se ter uma boa idéia do que as pessoas buscam na rede. Pois bem... com esse "brinquedinho", qual seria o meu primeiro teste? Nem pensei duas vezes:

debian ubuntu redhat suse fedora

Resultado previsível (e triste para a Red Hat), mas pouquíssimos leitores saberiam do que se trata. O que seria mais "familiar"?

firefox safari opera internet explorer

Muito nerd. O que seria mais comum? Inglês?

sex women beer porn

E os que falam português?

sexo mulher cerveja porno

Agora sim, algo interessante. Enquanto os falantes da língua inglesa preferem as coisas de forma bem variada e buscam o sexo mais do que tudo; para os que falam português, pornô é mais interessante que o próprio sexo, depois, o resto... Bem... Quem se importa com cerveja?

Ok, vamos elevar um pouco o nível:

bom justo belo ético

É uma pena que o que é ético e o que é justo não são tão populares quanto o que é bom e o que é belo. E os próprios valores? Afinal de contas, há uma grande diferença entre uma coisa que é, e a própria coisa. Qual a popularidade desses valores mais elevados?

Your terms - bondade, justiça, beleza, ética - do not have enough search volume to show graphs.

Suggestions::

  • Make sure all words are spelled correctly.
  • Try different keywords.
  • Try more general keywords.
  • Try fewer keywords.
  • Try viewing data for all years and all regions.

Estamos perdidos...

domingo, abril 01, 2007

Tchau, vocês!

Blogar toma um tempo que eu não tenho.
Há tanto para fazer e tão pouco tempo.
Se fosse tentar fazer tudo o que quero...
Teria que, primeiro, congelar o tempo.
Esse vetor inescapável que nos prende.
Posso eleger prioridades, selecionar...
Administrar o tempo, criar uma rotina.
E quem sabe assim não maximize a vida?

Por isso decidi, de forma irremediável.
Blogar toma um tempo que eu não tenho!
Nem sequer está em nenhuma "To Do List".
Já falei demais, prefiro mudar o tom:
"Muito obrigado a todos, valeu mesmo!"
Quem sabe um dia postarei algo de novo?
Um conto ou notícia. Mas, por ora: adeus.