quarta-feira, maio 11, 2005

O Destino do Feto Anencéfalo

Segundo o professor Damásio de Jesus, aborto é a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto. No sentido etimológico, aborto quer dizer privação de nascimento, pois advém de ab, privação ou fora, e ortus, nascimento. Na verdade, quando tratamos de aborto, normalmente queremos referir a abortamento, o mestre diferencia este como a conduta de abortar e aquele como o produto da concepção cuja gravidez foi interrompida. Já o professor Rogério Sanches ensina que o abortamento é, tão somente, a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção.

No código penal pátrio, há apenas duas formas legais para a prática de abortamento:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Doutrinariamente, são classificados como Terapêutico e como Humanitário ou Ético, incisos I e II, respectivamente. A Doutrina justifica o primeiro, porque o bem jurídico vida é disputado tanto pelo feto quanto pela mãe, já no segundo, o mesmo bem, vida, é mitigado para proteger a integridade emocional da vítima de estupro, pois entende o legislador que não se deve puni-la, forçando-a a carregar no ventre e, posteriormente, zelar pelo fruto de uma violência contra si.

Por que o legislador protege o nascituro, senão porque protege o direito à vida? Todavia, não nasceu. Se não nasceu, não tem personalidade. Se não tem personalidade, não pode ser sujeito de direito. Se não é sujeito de direito, não tem direito à vida, mas mera expectativa. O Direito protege, devido à expectativa, a vida intrauterina, ou seja, a partir do 8º dia de gestação, quando o óvulo fecundado se fixa à placenta, até o parto, nada muda aos olhos da Lei. Biologicamente, a perspectiva é bem diferente, a partir da 5ª semana temos um embrião, com olhos, ouvidos, coração, fígado, brotos dos membros superiores e inferiores, e principalmente a formação do cérebro. É o caminho da vida, que vai terminar no dia que cessar a atividade cerebral, onde Direito e Ciência concordam que é o marco da morte real.

Feitas as devidas considerações e recordando da polêmica que gravitou ao redor do HC 84.025-6/RJ, habeas corpus que foi julgado prejudicado com o nascimento e conseqüente morte do feto anencéfalo sete minutos após o parto. Qual seria o justo entendimento sobre essa matéria para que não se repita esse lamentável episódio?

Seguindo a corrente do professor Luís Flávio Gomes entre outros e contrariando alguns segmentos religiosos, questionamos: se a morte real é a cessação da atividade cerebral, não podemos admitir que o início da vida intrauterina seria o início da atividade do mesmo órgão? Ora, se não há cérebro, não há atividade cerebral, logo, o feto não está vivo realmente é apenas uma massa orgânica, algo com forma humanóide que está se desenvolvendo dentro do útero que nunca será de fato um ser humano. O "nascimento com vida" não é nada além da vida aparente e, como na morte aparente, trata-se apenas de uma presunção da realidade.

Se pensarmos como Damásio, não podemos dizer que retirar um feto anencéfalo seja de fato abortamento, visto que o feto nunca esteve vivo, então não pode morrer, já para Sanches, trataria de abortamento dum feto que não tem sequer expectativa de direito à vida.

Só é possível matar quem está vivo.

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