Miséria Adora Companhia: um processo subliminar
Não tinha dormido. Das 20h às 6h, não tinha feito outra coisa além de tomar uma pá de remédios com chá de limão, alho, cebola, gengibre e mel, gastar meio rolo de papel soando o nariz, além de ir ao banheiro. Quase sonhou com barcos, mas só conseguia imaginar caravelas saindo de sua cabeça, explodindo sua testa (era a única explicação que tinha para aquela dor toda).
No trabalho, depois de ler o curriculum vitae de uma candidata, seguindo a lei do menor esforço, não sorria, nem demonstrava qualquer outra expressão:
– Muito bem. Fale um pouco da senhora.
– Meu nome é Lúcia, tenho 22 anos...
– Não. Licença.
Foi ao banheiro. Escarrou. Sangue. "Que ótimo!", pensou. Voltou tão inexpressivo quanto antes:
– Como estava dizendo: nome, idade, o que fez, isso tudo eu já li. Quero que a senhora me diga o que não está aqui.
– É...
– A senhora não tem nada relevante para dizer?
– Não sei...
– E quem sabe? Por que devo lhe contratar? Por que a senhora quer trabalhar conosco? Há alguma informação relevante que não está escrita aqui?
– Bem... é... acho que não...
– Então, tenha um bom dia, minha senhora. Vamos avaliar a sua e as outras propostas e entraremos em contato em breve. Muito obrigado.
Levou-a até a porta. Esqueceu de sorrir ao despedi-la. Achou que tinha a tratado bem: não levantou a voz, não mudou o tom da fala, não fez a cara que aquela dor de cabeça terrível estava lhe provocando, não fez nada.
(Como ainda faltam seis horas para voltar para casa?)
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