terça-feira, abril 24, 2007

Sem tempo para pensar muito

Com uma assinatura o Limbo desapareceu. Todas as pessoas que viveram antes da Igreja Católica, todos os bebês não batizados, entre outros, pegaram sua senha para saberem qual será seu próximo destino eterno (ou até a próxima edição da reforma dogmática católica). Tinham lugar próprio e agora entraram numa fila de onde podem ou não ir para o céu conforme a vontade de Deus.

Dogmas e paradigmas são importantes, poupam-nos de pensar. Imagine se eu ficasse raciocinando a cada ato ou gesto? Nunca conseguiria desenvolver reflexos suficientes para dirigir; para escolher o que comer ou beber; ou para reprovar um alimento, dizendo que está estragado.

E por falar em comida, descobri ontem que "bebida" não é alimento. Alimenta, mas não é alimento. Soube isso de fonte segura: uma engenheira de alimentos com especialização em bebidas lácteas. E depois dizem que o Direito é algo complicado, essa senhora é a personificação do paradoxo.

Para alimentar o paradoxo do mundo, saciar o meu vício e mostrar que, de fato, a escolha é uma ilusão, não tive outra opção senão ir ao Manu Laches pedir um suco de açaí. O processo é muito simples: 1º chamo o atendende; 2º digo que quero um suco de açaí com banana e leite; 3º bebo; 4º chamo-o novamente; 5º pago. É simples se você não pensar em tudo o que você fez.

Na verdade eu realizo um contrato de compra e venda regulado pelo Código Civil e pelo Código de defesa do Consumidor. Essas duas leis regulam exclusivamente a obrigação, ou seja, o ato negocial. Existe ainda outros dois atos normativos que tratam exclusivamente do bem: uma lei que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, autoriza a criação da Comissão Intersetorial de Bebidas e dá outras providências e um decreto que regulamenta a Lei nº 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas.

Pois bem, aquilo que foi convencionado entre as partes como "suco de açaí com banana e leite", na verdade não é suco, segundo o regulamento:

Art . 40. Suco ou sumo é a bebida não fermentada, não concentrada e não diluída, destinada ao consumo, obtida da fruta madura e sã, ou parte do vegetal de origem, por processamento tecnológico adequado, submetida a tratamento que assegure a sua apresentação e conservação até o momento do consumo, onde:

I - o suco não poderá conter substâncias estranhas à fruta ou parte do vegetal de sua origem, excetuadas as previstas na legislação específica.
Como não existe legislação específica para o açaí, ficamos com o regulamento geral. Não é caso nem de suco tropical, que pode ser obtido com adição de água, a menos que eu tivesse pedido sem açaí e sem leite:
§ 6o Suco tropical é o produto obtido pela dissolução, em água potável, da polpa de fruta polposa de origem tropical, não fermentado, de cor, aroma e sabor característicos da fruta, através de processo tecnológico adequado, submetido a tratamento que assegure a sua apresentação e conservação até o momento de consumo.
O açaí, para quem não conhece, é um caroço envolvido com uma película comestível, se não tivesse a banana e o leite, seria um néctar.
Art . 43. Néctar é a bebida não fermentada, obtida da diluição em água potável da parte comestível do vegetal e açúcares ou de extrato vegetais e açucares, podendo ser adicionada de ácidos, e destinada ao consumo direto.
Se não tivesse leite, poderia ser refresco.
Art. 44. Refresco ou bebida de fruta ou de vegetal é a bebida não gaseificada, não fermentada, obtida pela diluição, em água potável, do suco de fruta, polpa ou extrato vegetal de sua origem, com ou sem açúcar.
Imagine que o regulamento trata dos refrescos de laranja, limão, maracujá, guaraná e maçã, informando a concentração mínima para garantir que aquilo é refresco, e o açaí? Nada.

Pois bem, se eu não estivesse com a lei em mãos, não saberia o que bebi:
Art . 57. Bebida composta de fruta, polpa ou de extratos vegetais é a bebida obtida pela mistura de sucos ou extratos vegetais com produto de origem animal, tendo predominância, em sua composição, de produtos de origem vegetal, adicionada ou não de açúcares.
Depois de tanto tempo, a palavra "acréscimos", no cardápio, foi finalmente corrigida, quanto tempo vão levar para corrigir a palavra "sucos"? Existe pouca probabilidade de acontecer, mas seria bem possível que, com uma assinatura da autoridade competente, o cardápio do Manu Lanches ficasse correto.

Pois bem, amanhã vou tomar uma tigela de açaí com banana, granola e amendoim. E não vou gastar nenhum pulso neural para descobrir o que vão me servir. Vou querer uma tigela dogmática grande.

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