segunda-feira, abril 09, 2007

Indivíduo Legal

Há quase dois anos atrás, escrevi aqui sobre um assunto que o Paulo tangencia, o aborto. Mais precisamente envolvendo o feto anencéfalo. Eis que o tema volta à tona com a primeira audiência pública da história do Supremo na ADI que contesta Lei de Biossegurança.

Para fins de transplante de órgãos, pode-se dispor do cadáver no momento em que é constatada a morte cerebral, que é a perda definitiva e irreversível das funções do órgão. Nesse ponto, acredita-se que cessa a existência consciente do indivíduo. Perceba que, neste instante não está sendo questionado se o que "sobra" está ou não vivo, mas a matéria orgânica estará livre à disposição médica.

Partindo do pressuposto que se pode dispor do corpo humano para a doação dos órgãos com a morte encefálica, independente que "uma vida" comece ou termine em qualquer ponto, o mesmo critério deveria ser adotado para determinar o início da impossibilidade de dispor do corpo humano para a finalidade que seja.

Em outras palavras, se a utilização depende da existência ou não de atividade cerebral, isso não significa, necessariamente, o momento que o feto chuta, nada, ou faz gracinhas que provocam o riso ou tiram o sono das gestantes. A atividade pode iniciar anterior à formação de um pé ou uma mão que toque a parede do útero. Se foi possível apontar o fim da existência corpórea e o início da disposição do tabernáculo carnal, podemos e devemos usar o mesmo paradigma para demarcar o começo, a contrario sensu, por lógica, sem a necessidade se ater a uma questão tão filosófica quanto o "início de uma vida humana". E agora, fico me questionando, ante a flagrante ausência no rol dos 17 especialistas convocados pelo STF, por que nenhum filósofo pediu sua admissão como amicus curiae, independente de convite?

Do ponto de vista do Direito Penal. O nosso Código protege a vida intrauterina. Pouco importa se um indivíduo vivo está se desenvolvendo, por exemplo, numa das trompas. Assim, põe-se a salvo o direito de aniquilar uma ou mais vidas antes da nidação. Logo, não podemos sequer falar em abortamento e muito menos em assassinato. Pode existir morte provocada por terceiro sem ocorrer um ou outro. A morte é um fato da vida. Se o STF decidir que seu início precede ao 14º dia a partir da concepção, ainda assim, até o 13º dia poderá ser destruído o óvulo fecundado e, a qualquer tempo, interrompida a gestação tubária sem tipificar crime de aborto. Poderá, contudo, ser dilatado o prazo para a intervenção se for verificada que a vida – e, nesse caso, prefiro o termo "existência" – do indivíduo é posterior ao que o Direito Penal construiu em sua jurisprudência como bem a ser protegido porque, ao proteger a vida intrauterina, já não basta estar no útero, mas sim, estar vivo, dentro dele.

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1 comentários:

Mythus disse...

Há quem condene a interferência da religião no Estado, respondo desde já, é impossível evitar. Um juiz, ao decidir uma lide, qualquer que seja o assunto, colocará todo seu conhecimento para encontrar a justiça material, mas, o que é a justiça material senão o que o próprio juiz acha que seja arraigado de todos as suas experiências, ideologias e fundamentos legais? Ora, se o juiz, fundado na lei, também utiliza princípios estranhos ao ordenamento jurídico para definir o que vem a ser justo, é perfeitamente compreensível que elementos sociais, na defesa de seus interesses, venha lutar para que seja respeitado aquilo que posteriormente será objeto de uma lide.

Um caso bastante prático é o caso do Testemunha de Jeová, acidentado e inconsciente, que tem sua religião desrespeitada pelo médico ao tentar salvar sua vida procedendo uma transfusão de sangue, contrariando o que dizem seus parentes. Só será respeitado seu desejo se, consciente, puder exprimir que não deseja se submeter à transfusão.

Da mesma forma, nosso direito também não faz ressalva aos que possuem uma religião onde a poligamia é aceita ou incentivada, constituindo-se criminoso por crime de bigamia o praticante daquela fé.

Não pode o religioso defender sua crença na Corte Suprema? Como seria protegido seu direito de praticar a fé? Ou de proteger a alma alheia impedindo que outros caminhem à condenação eterna por agir contrário às suas leis sagradas? E como são determinados os bens jurídicos protegidos pelo Estado? Não serão eleitos pela influência de moral, religião, ideologias, etc? Como se pode explicar porquê o Direito protege a vida e, com força ainda maior, proíbe o uso de drogas?