segunda-feira, dezembro 08, 2008

Cãibra

O azul anil do céu lá fora e as centenas de pássaros chilreando nos galhos do jambeiro não combinavam com o branco azedo dos lenços de papel que transbordavam pelas bordas do cesto.

Ainda reverberavam nos ouvidos: "estás magra". O que, por intuito sincero do amigo, seria um elogio, era, na verdade, a constatação da sua incapacidade de digerir aquele instante, os pratos da mãe, o rompimento da relação, os consolos idiotas... Quem sabe se, por não comer, desapareceria do mundo?

Descendo uma onda, há pouco mais de 10km daquela cama, não havia nenhum prazer no velô. Cut-back, 360º, ARS... Tentava destruir a onda com a prancha. Não conseguia – e nem queria – curtir o momento. Inconscientemente queria levar o corpo à exaustão, talvez assim pararia de pensar nela.

A cena ainda estava viva na mente, reproduzindo continuamente. Ela tinha sido grossa com ele. Ele tinha se chateado, mas queria por as coisas em pratos limpos. "Desculpe, mas eu sou assim. Esse tipo de coisa a gente não controla. São hormônios e não há nada que eu possa fazer". O tom da voz, o olhar vil, os braços cruzados... não saberia dizer o que o ofendera mais. Queria paz. Queria voltar a sentir prazer no borborinho da espuma das ondas.

O orgulho, travestido de amor-próprio, impediu a ambos que ligassem.

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