Sombras de Platão
Minha primeira experiência marcante com o cinema foi sentado num tamborete de madeira. Meu avô tinha tubos de desenhos, em sua grande maioria do Pica-pau. Assisti a dezenas deles na parede do fundo de sua garagem. Sem fazer muito esforço, consigo lembrar do barulho do projetor, daquele "tec-tec-tec" do filme passando. Assim como das chicotadas que a película dava no projetor no final do rolo. Daí, vovô seguia a colocar o próximo dizendo: "você não pode ligar a lâmpada com a máquina parada, senão queima a película".
O tempo foi passando e assisti a um longa que não sei se era triste. Nele, vi salas gigantescas reduzindo o tamanho, e centenas de acentos pouco anatômicos transformando-se em algumas dezenas de cadeiras super-confortáveis. A tela continuou diminuindo. O número de cadeiras, reduzindo. Quando percebi, a tela era meu monitor e eu estava sentado na única cadeira disponível.
Noutro dia, sentado num sofá ultra-acolchoado, assisti na parede do fundo da sala de um amigo a um filme que não me traz nenhuma lembrança, exceto a sensação do som fluir por todos os lados e vibrar nas paredes do meu estômago cheio de pipoca e coca-cola a cada explosão. Não havia nenhum "tec-tec-tec" e, ao final do filme, não ouvi som de nada estalando. Apenas apareceu uma tela branca e, no topo direito, uma seta informando "eject". Meu amigo tirou o disco do aparelho com tanto descuido que, se meu avô tivesse ali, certamente daria-lhe bronca.
Nessas décadas, imagem e som vêm aperfeiçoando a experiência do cinema, mas, diferente do que pensava meu avô, a coisa mais sagrada não é o objeto corpóreo. Ele sempre foi para mim um pretexto. Era um motivo para que tivéssemos alguma coisa em comum. Compartilhar de uma companhia inestimável assistindo a cupins marcianos serem transformados em apontadores; ou conversar sobre a impressão que tivemos ao ver uma caveira flamejante desrespeitar o devido processo legal.
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