terça-feira, maio 19, 2009

Please, Donate Life

Desde que me entendo por gente, sempre quis doar o que pudesse aproveitar do material genético que trago comigo. Dizia à minha família: "não quero ser comida de verme, assim que eu morrer, podem doar o que se aproveitar. Quanto ao resto, botem fogo para não gastarem com sei lá quantos quilos de carne dentro de um caixão". Tinha esse tipo de consciência sem nem ter noção dos custos com os serviços funerários ou mesmo com a cremação.

Eu simplesmente não conseguia conceber qualquer noção de respeito a um cadáver, ainda que tivesse visto e participado do enterro, naquela época, de minha bisavó e avô maternos. Obviamente eu era capaz de respeitar a dor e o momento dessas cerimônias e senti a falta de meu avô e das brincadeiras que tivemos, mas aquele que estava no caixão, com algodão nos ouvidos e nariz, definitivamente, não era mais meu avô. Depois de implicarem tanto comigo, deixei essas conversas de lado.

Em mil novecentos e cocada, houve uma campanha da Cruz Vermelha na universidade onde eu estudava para a doação de sangue. Acredite, não é só aqui no Brasil que é difícil encontrar doador. Lá fui eu:
– Hi, I want to donate blood.
– Good morning! It's good to hear that! Come with me, please... You're not from here, are you? So, where're you from?
– Brasília, District Capital of Brazil.
– Oh! You're a foreign student. Nice! Let me see the chart here. Hm... Brazil... I'm sorry, you can't donate. Brazil has malaria.
– Don't worry! I never had it. Malaria can be found in the Rain Forest. I live in "dry land". Paraíba, the state where I live in, is far from Amazônia. I've never been any close from that disease.
– I'm sorry. Your country didn't eradicate malaria. You cannot donate.

Para quem tem renite alérgica, estar livre de qualquer funga-funga é algo que deve ser bem explorado. Quem tem esse tipo de coisa, nunca sabe se está gripado, ou numa crise alérgica, ou com renite, ou se apenas mexeu em algo que não devia. Miraculosamente, esta mazela tirou férias sabáticas das minhas vias aéreas já faz quase um ano e, recentemente, ouvi que eram necessários doadores. Dezessete anos depois, lá fui eu, de novo:
– Cirurgias? Além dessas simples de pontos em cortes e de um pino que coloquei, fiz tireoidectomia parcial.
– E você fez essa cirurgia por quê?
– Cresceu o nódulo e disseram que era pra remover. Mas era benigno e não alterava em nada na minha vida. Não preciso tomar remédios nem nada.
– Você teve hiper ou hipotireoidismo? Sabe qual era o nome do nódulo?
– Nenhum dos dois. Meus níveis de hormônios sempre estiveram OK. Agora, o nome? Sei não. "Fernando"!? Ele veio e foi e nunca soube o nome dele.
– Adenoma, Bócio, Hashimoto, Cisto, Riedel, alguns desses nomes lhe soa familiar?
– Eu só soube que era um nódulo e não deveria me preocupar, bastava tirá-lo.
– Se você não sabe o que é, eu também não sei. Quem sabe não era autoimune? Não posso deixar que você doe, posso colocá-lo como inapto definitivo...
– Calma! Eu posso trazer a documentação que tenho e você pode ver se posso ou não doar.
– Tudo bem, mas você também pode consultar seu endocrinologista.
– Ele já se aposentou. Teria que procurar outro. Vou juntar os exames que tenho e mostrarei ao senhor.

Cinco dias depois, venho com a documentação. Ao doar sangue, a pessoa não pode fazer atividade física por 12 horas. Por isso, só hoje pude vir.
– Bom dia, vim na quinta passada para doar, mas o médico me pediu que eu trouxesse uns exames a fim de verificar se posso ou não doar sangue.
– Bom dia, que bom que você veio doar! Sabe que isso é um gesto de amor e solidariedade? Sua identidade, por favor... Senhor, aqui diz que o senhor está inapto até 2036. O senhor poderia me acompanhar até o serviço social?

Minha sorte foi descobrir, no Hemocentro, uma conhecida de infância e, graças a Deus, era a médica do dia. Após ver meus exames e verificar que não há nada que me impeça de doar, fez a gentileza de acompanhar-me por todas as salas e terminais tentando desbloquear meu cadastro – a única coisa que, naquele momento, estava impedindo a emissão da abertura do meu protocolo para a doação. Uma hora depois, o analista do NPD garantiu que, à tarde, meu nome estaria liberado, o que significava que eu não poderia doar hoje e como minha amiga só trabalha às terças e sextas, o melhor era aguardar mais uma semana.

Espero que a pessoa em favor de quem irei – esperançosamente – doar sangue sobreviva até lá.


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