Quando bastante não é o bastante
"Desculpe, querida, infelizmente não sei falar coisas bonitas e declarações de amor. Eu gosto muito, muito mesmo." – esse é o tipo de diálogo que Cícero fazia na mente e dali nunca saía. Primeiro, porque não era agradável de ser dito ou ouvido. Segundo, porque não era sincero o suficiente.
A verdade é que ainda ressoavam as palavras de Rafaela em seus ouvidos. Dissera-lhe que ele não sabia o que era o amor, nem nunca a amara. E por causa daquele não-amor, ambos sofreram com a separação e Cícero odiou todo seu universo e a si próprio por não-amá-la. Quando achou que o tempo – que cura todas as feridas e apaga todo o sofrimento – já tinha feito seu trabalho, decidiu que era hora de tocar a vida, daquele ponto em diante.
Naquela confluência astral, conheceu Mônica. Gostou bastante dela. Bastante para noivar. Bastante para casar. Porém, nem mesmo na cerimônia de casamento ousara dizer que a amava. Limitara-se ao "sim" em meio a todos os votos de amor que sacerdote recitou. Como poderia dizer? O que sentia por Mônica era bom, mas aquilo que sentira por Rafaela era muito mais forte e intenso, todavia, não era amor.
Ontem, Soninha e Henrique correram desde de a sala, passando pelo corredor, atravessando a porta do quarto de casal e voando na barriga do pai, interrompendo o noticiário local. Cícero agarrou os dois, um em cada braço, e entre cheiros, beijos e cócegas, disse que os amava. E pelo canto do olho percebeu o ciúme e a tristeza de Mônica com aquela cena – "um deslize", pensou ele.
Depois que levou as crianças para cama, deitou. Mônica já havia dormindo ou fingia. Deu-lhe um beijo de leve no ombro e virou-se para o outro lado. Enquanto o sono não vinha, o pensamento vagava. Quando foi o deslize? Naquela noite ou há quatro anos atrás?
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