Igualdade Substancial
Desde que fui praticamente obrigado a ser o que hoje sou, tenho pensado no tal "índio lá no meio do mato". Expressão viva do contrassenso do nosso ordenamento jurídico. Conquanto a Carta Magna e o Código Civil escusaram-se desta discussão, deixaram sua capacidade jurídica regulada por leis especiais de tempos remotos que, estranhamente, tratam o índio, em um momento como incapaz (persistindo uma divergência se a incapacidade seria absoluta, por prever a nulidade de atos desacompanhados de tutela; ou relativa, por exigir uma assistência e não uma representação do órgão tutelar); ou como capaz em outro instante, a depender da integração à sociedade.
Eu não tive escolha (ou garantia). Não pude dizer que queria viver como índio, ou cigano, ou quilombola. A despeito de considerar-me tão humano quanto esses e, por tanto, credor do mesmo zelo, fui invadido pela tecnologia, pela cultura universal e por um senso de ética e moral cujas origens me são estranhas. Forçado a interagir, consolei-me com a preservação de certo folclore regional, alguns hábitos e gírias locais. Sou impedido de congelar-me no tempo e no espaço. Se é dessa feita, travestido de protesto, entendam que o índio também deveria padecer esse processo por uma questão de justiça e de isonomia. Ou disfarçado de conselho, exorto que é uma punição de caráter perpétuo promover a permanência dessa vítima numa era de trevas sem os "benefícios" (e malefícios) da modernidade. Tratam-no como um bicho que pode fazer tudo irresponsavelmente, fazendo de escudo sua cultura ancestral em face de atos que qualquer um seria condenado, ainda que a defesa alegasse ser uma "tradição da família".
É, ante o exposto, perfeitamente viável, aceitável e aconselhável que o ele conheça o mundo em que vive. E que viva pelas regras do Estado como todo cidadão, porque não deixa de ser índio aquele que deixa de ser ignorante da realidade que o cerca.
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