quinta-feira, março 31, 2005

Notitia Criminis (quem me dera se fosse ficção)

"...pelo princípio da insignificância, então, fica demonstrado a falta de pressupostos processuais para essa ação e determino, portanto, o arquivamento do processo."

– Ora, movimentar a Justiça para apurar o furto de um suéter que custa R$ 50,00? E ainda mais com um frio danado desses lá fora? É quase um furto de uso. Deus sabe lá que o delinqüente estava precisando. Envie ao juiz, por favor.

Vinte dias depois. Aparece uma senhora querendo falar com o promotor que prontamente a atende.

– Em que posso lhe ajudar, minha senhora?
– É que eu queria saber com o senhor como está o meu caso, já fazem uns dias que eu dei parte na polícia e disseram que o senhor é que é o responsável agora. É que pegaram meu suéter e eu queria ver se já foi recuperado, era o único que eu tinha e está fazendo um frio desgramado esses dias.

sexta-feira, março 25, 2005

Sentença de Morte

Ponho uma lápide neste lugar?
Ou apenas o lapido um pouco?
Quem anda dilapidando meu tempo?
Peço que indiquem o culpado.

Neste tribunal sou o réu, o promotor, o defensor e o juiz, ao menos tenho um júri que vai além de minhas múltiplas personalidades, e é a este Egrégio Tribunal do Júri a quem recorro.

Aos doze fiz teatro e aos quinze poesias. Muito pouca experiência para se dizer artista, acredito que até teria uma veia artística, não como a veia cava, mas não tão desprezível quanto um capilar. De qualquer forma, o colesterol da rotina e de outros afazeres entupiram a coitada e passei a ser um mero apreciador e espectador. E quando pensei que aquele lado havia gangrenado, recebo soro de muitos, a veia dilata e segue num fluxo que jamais tinha visto: uma composição de letras e imagens fluem em ritmo furioso.

Mas não tenho tanto sangue assim, e sinto tonto carente de sangue em outras regiões. O equilíbrio nunca foi meu amigo e nem agora é (e eu pensando que meu único inimigo era o tempo). Na lista de coisas que poderia cortar da minha vida estou pondo em juízo este lugar.

Caso você não saiba, também tenho um flog que está passando pelo mesmo julgamento.

Como jurado, quem você condena? E quem você poupa?

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segunda-feira, março 21, 2005

Démodé

"Dá-me a tua mão (saiba que não a devolverei)
Deixa-me ver teu futuro (deixa-me por este anel)
Diz-me apenas um palavra (e que seja afirmativa)
Do que me foi revelado agora (do que planejo para ti)
Dúvidas não durarão e a felicidade não cessará (sim, além da morte!)

Como é tolo o que ama e como é bom ter a quem amar.
Como posso dizer aquilo que sinto se não existe o ser amado?
Como fomos feitos muito mais para sofrer do mal do amor do que para ser objeto dele?
– Nisso também somos a imagem de Deus."


Sonhou um pouco. Lembrou um tanto. Entristeceu muito. Arremessou certeiramente a bola quase poética de um sentimento teimoso na lixeira. Saiu da sala para beber água e, antes de voltar à mesa, pegou de novo a bola. Pensou que seria útil para mostrar a seu filho quando ele atravessasse a mesma crise (mas ele é tão novo, não? Sim, mas vai passar por ela, todo mundo passa). Desamassou e guardou em algum lugar esquecido, anotando a data:

"João Pessoa, 08 de agosto de 1962."

domingo, março 13, 2005

Atrasado, mas nem tanto assim

Na última vez que me desmaterializei, minha intenção era assistir a morte duma estrela numa galáxia um pouco depois da Via Láctea – só até a Via Láctea eu já acho distante, mas valia o esforço. Contudo, tive alguns problemas ao passar perto dum buraco negro e acabei chegando atrasado. Aliás, aconselho a vocês, passem longe desses troços! Passei dias para conseguir me materializar novamente.

O melhor de tudo foi a volta para casa, sem perceber, passei tempo demais preso. Com isso, tive dois problemas, daqueles que você acha que nunca vai ter na vida, para resolver: um judicial e outro familiar. Primeiro, tinha que provar que eu era eu e não estava morto. Fui declarado ausente, que é a presunção de morte, e morto não tem nenhum direito. Logo, tinha que demonstrar que ainda era sujeito de diretos plenamente capaz. A segunda tarefa era convencer meu neto (meu tatara-tatara-sobrinho-neto, na verdade – ou seja lá o que isso for – tecnicamente, um parente de 6° grau na linha colateral, que é aquilo que tenho de mais próximo ao que se pode chamar de família) a não fazer a mesma viagem que eu tentei fazer.

Perante o juiz até que não foi difícil, só levou um ano para que eles percebessem que eu estava vivo. Duro foi fazer meu neto engolir que dessa vez eu iria registrar tudo com imagem e som de alta-qualidade.

Só não contei para ele que no caminho até aonde vai ocorrer a próxima explosão tem dois buracos.
Está aí uma coisa que eu não quero para minha rotina: ficar preso em algo e não ver o tempo passar.

quarta-feira, março 09, 2005

Angstrônico

Não fui eu que criou essa situação, fui forçado a ela.

Exatamente... forças ocultas me levaram a isso. Confesso que nem tenho ajudado muito para dissipar essa nuvem misteriosa na qual me encontro, mas é só por enquanto. Uns sabem o que faço, como faço e a que velocidade estou progredindo, mas não sabem onde estou, outros sabem onde estou, mas só sabem isso. Não se preocupe que essa incerteza vai acabar. Afinal de contas, também vivo meus demônios orbitando entre gigantes, sentindo-me do tamanho de nada (apesar de saber que tenho potencial). Admito que existe uma carga negativa nisso tudo que está dentro de mim, mas vai passar, vou passar, estou passando.

Só que ainda sinto falta, de quem era quase igual a mim e era quase o meu oposto, e que, num impulso, foi embora.

quinta-feira, março 03, 2005

João Kléber e o Empirismo

Contexto:

Não lembro quando foi, sei que era por volta das 4:30 da manhã, estava indo dormir, mas antes, por curiosidade apenas, liguei a TV pra saber o que se passava nesse horário: programas religiosos, filmes da adolescência de meus pais, jornal num canal de notícias e João Kléber (como ele dizia que o programa estava com o tempo esgotado e iria revelar o mistério no próximo bloco, resolvi esperar 2 minutos no canal dele).

Estudo do caso:

Não tenho idéia do quanto dure o tempo do programa do João Kléber, mas como se intitula Tarde Quente, suponho que deva consumir algumas horas da programação da Rede TV. Já que era reprise do que foi ao ar à tarde não tinha comercial, apenas uma pausa com tela preta entre um bloco e outro. No bloco seguinte iria ser revelada a notícia chocante: perdi 5 minutos da minha vida... a notícia chocante era tão fútil quanto "eu quebrei minha unha hoje". Como um telespectador se presta a assistir durante toda uma tarde um programa desse escalão?

Conclusão:

Se o brasileiro mediano não é imbecil, gosta de ser imbecilizado. Nem vou questionar "por que não há mais programas educacionais?" Porque existem, e com incentivo dos cofres públicos. Mas se o brasileiro gostasse de cultura, não precisaria de incentivo do governo e a programação cultural invadiria o Horário Nobre da TV aberta. Culpa da TV? De modo algum! Ela só mostra o que dá audiência, e o povo quer, de fato, saber como você quebrou sua unha.