O que era, o que é e o que custa a ser
Recentemente, dois importantes processos chegaram ao Pleno do Supremo Tribunal Federal. O primeiro e mais alardeado pela mídia, sobre a pesquisa em células-tronco embrionárias; e o segundo, sobre a prisão civil do depositário infiel.
Nenhum dos dois processos foram concluídos em suas respectivas sessões pelo mesmo motivo: o ministro Menezes Direito pediu vista dos autos. Um pedido de vista significa, em suma, que o julgador não examinou a questão suficientemente e acha-se incapaz de proferir um juízo sem uma análise mais apurada. Em termos processuais, é adiar o julgamento por três meses, na melhor das hipóteses. Um processo, para chegar ao Pleno, demora tanto que é de questionar-se a real necessidade desse tipo de incidente (e indignar-se!) já que sempre estão disponíveis os autos para consulta e cópia.
Apenas para fins de referência, o segundo processo, o Habeas Corpus 87585, atrai o interesse de um público eminentemente jurista e, no máximo, de alguns inadimplentes. Há a possibilidade da Alta Corte mudar um antigo posicionamento e eleger os tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil é signatário a uma hierarquia superior à legislação ordinária. O voto do relator, o ministro Celso de Mello, é nesse sentido. Sendo essa a decisão final, estaria revogada a prisão civil do depositário infiel nas terras tupiniquins pelo Pacto de San José da Costa Rica, sem haver outro meio de reinstitui-la, salvo por emenda constitucional. O Pacto só permite a prisão civil por dívida de natureza alimentar.
Após a primeira audiência pública promovida pelo Supremo em 20 de abril de 2007, novamente reascende o interesse no primeiro processo. O público-alvo é muito maior, não necessariamente pelo assunto, mas pela perspectiva que a mídia fez da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510. Reverberavam frases de efeito tais como: "STF vai julgar quando inicia a vida"; "STF permitirá pesquisa com seres humanos?". A algazarra acalora ainda mais com os movimentos "Pró Vida" e "Pró Escolha" com defensores pertencentes ou não de grupos religiosos, ideológicos, sociais, etc; além de um sem-número de pessoas que acham que esse é um bom assunto para uma mesa de bar. Sabiamente, o ministro relator Carlos Ayres Britto, em seu excelente voto, afasta todo esse debate por ambientar a questão fora do útero materno, refúgio e passagem necessários a qualquer ser humano vir ao mundo hoje. E segue a sua análise exclusivamente nos embriões inviáveis que por mais de duas décadas são descartados como coisa sem valor e, hoje, com a lei de biossegurança, ganham uma finalidade. Sem a qualquer intento de decidir algo para toda a eternidade, o ministro nem cogitou sobre a possibilidade de quando o útero não for mais necessário à vida humana – o Direito protege o ser humano a partir da nidação.
Em 25 de julho de 1978 na Inglaterra e em 7 de outubro de 1984 no Brasil, a fertilização in vitro possibilitou a reprodução da vida sem copulação, havendo vida prévia à concepção ou gravidez. Em 5 de julho de 1996, a ovelha Dolly demonstrou possível uma vida individualizada, sem fecundação ou presença do sexo masculino no processo. O útero materno, nosso primeiro lar é, hoje, o último obstáculo para a dispensa do labor feminino na gestação. Se a Ciência vencesse essa fronteira, como o Direito protegeria e a Sociedade trataria o homo sapiens advindo dum processo tão artificial? Esse debate não orbita no Supremo. Não pode dar-se ao luxo de conjecturar o futuro quando possui tantos casos concretos para julgar. Aos semeadores de idéias, aos filósofos, fica o encargo.