quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Aquiles

"Pois são as Preces, nascidas do Crônida Zeus poderoso,
coxas, de pele enrugada e de olhar indeciso e desviado,
as quais se afanam no encalço da Culpa, tentando alcançá-la.
Esta é, porém, vigorosa e de pés mui velozes; por isso
a todas elas se adianta, causando, onde quer que se encontre,
dano aos mortais, ao que as Preces procuram, depois, dar remédio.
Quem, a estas filhas de Zeus, ao chegarem, demonstra respeito,
delas obtém só vantagens, por serem seus votos ouvidos.
Mas, se, obstinados os homens ouvidos, acaso, lhes negam,
as Preces, logo, a Zeus Crônida sobem e, em instantes, suplicam
que sempre a Culpa os torture e que tenham, com o dano, o castigo.
"
(Ilíada, IX, v. 502-12)


Rastejava serena a noite e já era tarde. Ausente o Sono, as pálpebras insistiam erguidas em vigília.

Não haveria remissão à traição da mulher. As atenuantes do réu deveriam ser rechaçadas. A realidade não era passiva de perdão. Do réu não tinha certeza a autoria, ou sequer a culpabilidade, mas quem não era culpado? Inclusive ele, "o fiscal da lei", traíra sua esposa de modo ainda mais gravoso do que o dela, num congresso entre seus pares. Era dia. Em breve estaria no Tribunal do Júri. Entrementes, Hades, pessoalmente, consumia-lhe o estômago em chamas. Não seria seu melhor júri aquele.

Por muito reverberar nos pensamentos, a poesia homérica revelara o imo de sua inquietude. Os pés ligeiros da Culpa haviam-no alcançado de forma mais vigorosa do que pela ira fora tomado naqueles dias. Por não ouvir tantas súplicas, numa surdez seletiva, receou a fuga real da audição. Perdera o norte cumprindo cotas de condenações. Danara-se sem dar-se conta.

Sentiu falta da infância. Do prazer em ajudar. Dando um pouco de tempo e praticamente nada a quem absolutamente nada tinha. Carecia dos trabalhos na igreja, dos orfanatos, dos asilos. A gratidão vinda do socorro enchia-lhe a alma com uma plenitude que nenhuma convicção dada pelo júri poder-lhe-ia conceder.

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