segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Nunca mais digo que odeio gente burra

Baixou a cabeça, como se tentasse concentrar-se, lembrando dos eventos que culminaram naquele momento, e possivelmente de outros que vêm sem licença à mente nessas ocasiões, formando o que chamara de "miserável existência", não conseguia chorar. Ao contrário, seus olhos estavam ardidamente secos pelo que pude ver. Olhou para mim e para o chão e apenas meneou a cabeça.

Jamil era uma boa alma, apesar de burro.

Ele me procurou por acaso. Estava na OAB de passagem só para deixar uma petição já que era o último dia do prazo, nesse período de recesso forense em que todos estão na praia, curtindo um kite com esse vento espetacular de 20 nó. Todos, menos eu. Ainda lembro como pacientemente o ouvi, desde sua decisão de levantar uma parede dividindo sua casa até sua odisséia forense, passando pelos bilhetes com ameaças àquele PM que jurava serem fabricados pela mulher que queria a casa para si somente. Após duas horas de conversa fiz tudo o que poderia ser feito a um possível futuro cliente num dia de sol com ventos de 20 nó: tentei dissuadi-lo a permanecer em casa – que ele não iria perder se saísse –, dei meu cartão e sublinhei os telefones, colocando atrás o nome e o telefone do meu sócio.

Honorários de advogado assustam, mas depois de sofrer uns meses nas mãos de defensores sobrecarregados de processos as pessoas acabam se rendendo a um procurador particular, pensei assim que recebi a chamada da esposa de Jamil, querendo que eu viesse à sua casa.

Jamil era burro, mas sua esposa não.

Entrando na sala, ela dizia que sempre reclamou que ele não trazia mais flores e cartões, vindo para casa apenas com feira e cansaço até que quem cansou foi ela e deixou-se levar por um "novo amor". Enquanto caminhávamos por um estreito corredor, deduzi que uma das paredes era a tal divisória, ouvindo-a reclamar que ele tinha espalhado pelos quatro cantos uma história de bilhetes para difamá-la. Somente quando chegamos no quarto, ela se calou.

Agora, parados ali, frente ao morto, percebi o quanto a burrice pode ser fatal.

0 comentários: