terça-feira, setembro 26, 2006

Os olhos cor de pimenta

Quanto ao tempo, todo moleque é como Deus, não lhe dá a mínima atenção. O perigo causa frio na barriga. E se não houvesse perigo, que graça teria? Saltaram pelo rio até chegarem ao tédio, quando preferiram entrar no meio do mato. A fome os levou a um cajueiro rançoso, depois a um pé de laranja cravo e a outro de oliveira. Deixando o cavalo pastar, atravessou um velho milharal, seco e sem espigas. Do outro lado, tinha uma clareira e uma casa em ruínas. Era de alvenaria. Portas e janelas tinham sido roubadas, assim como telhas, caibos e ripas. A casa era só parede. Contudo os donos estavam lá – cães dos infernos! Sentiu a picada dum marimbondo e partiu em disparada. Mesmo voando na velocidade da luz, ouvia os condenados até que caiu num pequeno açude. Debaixo d'água havia um zumbido aquático. Emergiu, enfiou a mão na orelha latejante, que já estava cinco vezes maior que a outra, e arrancou o pestilento. Ainda escutava o zumbido de longe. O cão dos infernos deixara sua alma lá dentro para perturbá-lo. Para não virar piada, esperou o orelha diminuir e a pulsação passar com um cochilo à sombra duma árvore e o Fantasma amarrado nela. Já ensaiava a cara-de-pau de que nada tinha acontecido e, pela altura do sol, iria fujir e desviar-se de chinelos voadores. Era a vida... O sono chegou leve, mas chegou e ficou por ali um pedaço.

Dor.

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